A experiência musical decorrente das atividades
musicalizadoras se aplica à aula de instrumento ou à aula coletiva (coral,
musicalização, flauta doce, bandas, dentre outros). Isso significa que o
contexto musicalizador é amplo, oferecendo ferramentas que podem e devem ser
aproveitadas nas demais práticas musicais.
Quase sempre presenciamos
atividades em que um modelo rítmico e/ou melódico, por exemplo, é aprendido,
imitado, e reproduzido. Pronto! E a aula de música ou aquela atividade chega ao
fim! Na aula de instrumento, ensinamos uma música para o aluno, de partitura ou
por imitação, e damos o trabalho por encerrado. Se ele acertou as notas,
normalmente nos damos por satisfeitos, ávidos que estamos pela próxima lição. E
assim ensinamos nossos alunos a acreditarem que a aula de música é isso, que
tocar um instrumento é isso. SÓ ISSO!!!
Onde fica a criatividade, a espontaneidade e a fomentação de ideias neste modelo?
Essas características são amplamente defendidas no campo na educação musical como sendo objetivos a serem alcançados na formação musical de quem se dedica a aprender música. Ora, mas não parece paradoxal que elas sejam apontadas como necessárias, mas sejam comumente esquecidas dentro da prática da educação musical?
Para que possamos manter na lembrança o que é essencial para preservar estas características, devemos nos ater ao jogo psicológico e às suas implicações para o aprendizado musical.
Onde fica a criatividade, a espontaneidade e a fomentação de ideias neste modelo?
Essas características são amplamente defendidas no campo na educação musical como sendo objetivos a serem alcançados na formação musical de quem se dedica a aprender música. Ora, mas não parece paradoxal que elas sejam apontadas como necessárias, mas sejam comumente esquecidas dentro da prática da educação musical?
Para que possamos manter na lembrança o que é essencial para preservar estas características, devemos nos ater ao jogo psicológico e às suas implicações para o aprendizado musical.
O jogo psicológico revela
a forma como articulamos ideias enquanto agimos. Quando tocamos, jogamos com as
possibilidades interpretativas, acomodando-nos às indicações da partitura, mas
adicionando um componente pessoal, fruto de nossa experiência com a música.
Então perguntamos: uma criança que iniciou suas aulas há pouco, consegue jogar
com as possibilidades interpretativas? Minha resposta é categórica: SIM. Como?
Simplesmente porque esse jogo surge, primeiramente, da percepção intuitiva.
Observe como a criança, à medida que repete a música, adquire mais controle do
material musical nela contido. Esse controle possibilita a ela fazer algumas
modificações na forma de produzir o som. São, por vezes, transformações sutis,
mas nós, educadores musicais, temos que estar atentos a elas. Elas são janelas
abertas para que exploremos uma ampla experiência musical com os alunos. Algum
tempo depois, a criança consegue brincar com a extensão da música, fazer
escolhas de intensidade, claro, desde que mostremos esse universo a ela.
Depois, consegue alterar o andamento, procurando ajustes que lhe pareçam soar
bem. E assim por diante...
Quando compomos,
jogamos com as possibilidades musicais quando escolhemos o material musical com
que vamos compor, quando escolhemos o andamento, a altura (qual oitava tocar),
o trabalho temático, as separações das seções e/ou das frases, a agógica e o
caráter da composição. Quando escolhemos se haverá pedal, no caso do piano, ou
se usaremos o arco ou pizzicato, no caso das cordas. Quando decidimos por
contrastes ou não. Acelerandos, crescendos, rallentandos, fermatas para dar um
suspense no meio da seção. Puxa! Quanta coisa! É por isso que a composição é
eleita pelos psicólogos cognitivos da música como o carro-chefe do fazer musical, pois ela é, em tese,
aquela modalidade que permite a plena exploração e exercício do jogo! Além disso, compomos com aquilo que nos é acessível. Ninguém vai inventar
música com material musical e técnica que não domine! Assim, a composição é o
reflexo mais genuíno de nosso interior, é nosso conhecimento intuitivo vindo à
tona, com suas múltiplas faces de jogo imaginativo.
Quando escutamos,
jogamos com as possibilidades musicais quando, no ato apreciativo, as frases
vão-se conectando, formando metáforas de nossos sentimentos e trazendo outros
para o campo de nossa percepção. Ou quando um elemento surpresa nos transporta
para outra dimensão do jogo mental. Repare que nunca escutamos a mesma música
da mesma forma, por duas ou mais vezes, seguidas ou não. Há épocas em que
preferimos um estilo, uma música, e outras épocas, outros estilos, outras
músicas... Isso significa que a nossa capacidade de jogar mentalmente com as
possibilidades musicais enquanto escutamos música flutua deliciosamente e se
transforma enquanto adquirimos experiência musical. Isso é fascinante!!!
A importância do jogo
psicológico no fazer musical
é tão notória que alguns autores se dedicaram a estudá-lo profundamente (Keith
Swanwick, David Hargreaves e François Delalande, os principais).
Especialmente Swanwick
incorporou essas três modalidades do fazer
musical em uma filosofia de educação musical que gerou o Modelo de ensino a
que ele denominou C(L)A(S)P. O que seria isso?
Vimos que a composição,
a apreciação
e a performance
são consideradas fundamentais enquanto sustentáculos da experiência musical
ativa. Elas revelam nossa compreensão musical e permitem o pleno exercício do
jogo, necessário ao fomento da espontaneidade, da imaginação e da criatividade.
Além disso, elas são as vias de acesso direto à música, elas são as formas de
expressão do nosso comportamento musical. Por isso, essas modalidades são
entendidas, por Swanwick, como interativas, e devem integrar um currículo de
educação musical por essas razões. Mais do que justificado, não?
Assim surgiu a concepção
do Modelo C(L)A(S)P. As atividades de composição, apreciação e performance são,
para ele, centralizadoras da experiência musical ativa, ladeadas pelas
atividades periféricas (e por isso, entre parênteses) de literatura e skill (que
serão definidas mais adiante). A idéia do autor é que esses cinco parâmetros
(as cinco letras) sejam trabalhados de maneira integrada na aula de música,
permitindo um equilíbrio que se reflita em ampla possibilidade curricular. É
por isso que as letras C, A e P são distribuídas de maneira equilibrada no
Modelo, e cercadas pelas letras L e P.
No Brasil, o Modelo foi
traduzido para (T)EC(L)A. As pessoas que traduziram o Modelo, por certo,
desconheciam seus fundamentos psicológicos e filosóficos, a ponto de
acreditarem que a tradução era meramente um facilitador em termos de idioma
(embora essa justificativa não proceda). Essa tradução desenrola alguns pontos
de questionamento. Vamos entender?
O MODELO C(L)A(S)P E A TRADUÇÃO PARA
(T)EC(L)A
Conforme eu disse
anteriormente, de acordo com França e Swanwick (2002, p. 17), a centralidade da
experiência musical ativa deve acontecer por meio das modalidades de
composição, apreciação e performance. Subsidiando essas modalidades,
apresentam-se as atividades de suporte, e periféricas: literatura (qualquer informação notacional, teórica, biográfica e
analítica sobre música) e as habilidades
ou skill (toda e qualquer informação
técnica e aquisição de habilidades que contribuam para o controle dos sons). O
fato de serem periféricas não deprecia aquelas atividades, mas as coloca como
complementos (necessários) à experiência musical integradora proporcionada pela
C,
A,
P.
Composição, apreciação e performance constituem os aspectos
centrais do fazer musical, pilares da
experiência musical, e são distribuídos equilibradamente no Modelo. As
atividades (L) e (S) são consideradas periféricas. Não existe hierarquia entre
C, A e P, mas sim entre essas modalidades e o (L) e o (S).
Quando se traduz o Modelo
para (T)EC(L)A, entretanto, a centralidade da experiência musical ativa é
comprometida. As atividades periféricas (L) e (S), traduzidas para técnica e literatura, parecem então dominar o Modelo, circundadas de maneira
não equilibrada pelas modalidades de execução,
composição e apreciação. Além disso, percebo que a técnica e a execução ficam
pareadas, transparecendo uma filosofia distinta daquela defendida pelo Modelo,
ao mesmo tempo que parece prescindir, especialmente, da apreciação. Muitos currículos
e professores assumem o (L) e o (S) como prioridade em suas práticas
substituindo a experiência ativa por anotações teóricas e pela prioridade
técnica.
A tradução do C(L)A(S)P
para (T)EC(L)A
altera a forma gráfica do Modelo, que traduz uma concepção filosófica e
hierárquica na experiência musical. Altera-lhe, ainda, a sua lógica interna, e
distorce sua fundamentação teórica.
Quero frisar, aqui, uma
frase de França e Swanwick (2002, p. 18), para entendermos efetivamente o
Modelo C(L)A(S)P e darmos continuidade aos nossos estudos de fundamentação da
prática pedagógica em música:
"É preciso salientar
ainda que o Modelo C(L)A(S)P não é um método de educação musical, nem um
inventário de práticas pedagógicas. O Modelo carrega uma visão filosófica sobre
a educação musical, enfatizando o que é central e o que é periférico (embora
necessário) para o desenvolvimento musical".
Quando começo a refletir
sobre a tradução, lembro-me de ter aprendido música com base num modelo
tecnicista, tal como sugere a tradução (T)EC(L)A. Tocar e desenvolver os dedos
eram minha meta no aprendizado do piano, porque, desde menina, me ensinaram que
era assim. Eu amava inventar músicas, mudar os arranjos daquelas que tocava de
partitura, descobrir sonoridades novas e inusitadas no silêncio solitário da
sala da minha casa, pois no conservatório, só havia espaço para tocar tal como
a partitura... Escalas, estudos, sonatas, técnica pura, essa era minha aula de
música! Também não me lembro de ouvir música com freqüência na minha trajetória
como aluna, muito menos de fazê-la com espontaneidade...
Pergunto, para
finalizarmos com ares reflexivos:
Onde fica a centralidade da experiência musical ativa na
tradução do Modelo para TECLA?
Como ficam os princípios filosóficos que sustentam o Modelo na
tradução?
Qual a necessidade de uma tradução para uma sigla que reúne
singularmente princípios de uma educação musical integradora e equilibrada?
Referências
Referências
FRANÇA, Cecília C;
SWANWICK, Keith. Composição, apreciação e performance na educação musical:
teoria, pesquisa e prática. Em Pauta.
Revista do Programa de Pós-graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, v. 13, n.21, dez. 2002, p. 6-41.
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