segunda-feira, 18 de maio de 2015

Música e Educação Musical: pra que?


                A Educação Musical deve intentar oportunizar ampliação, tanto de saberes quanto de cultura. Sua função, primeiramente, é desenvolver musicalmente pessoas e, paralelamente, cumpre um papel sociocultural. Nesse sentido, a Educação Musical deve direcionar o ensino da música para a diversidade de experiências, processos e produtos, contemplando um universo de ‘possíveis’ que advêm de uma prática plural, integral e integralizadora. Deve, portanto, buscar o equilíbrio entre o que deve ser ensinado para ampliar o universo musical e cultural dos alunos, e o que eles carregam para dentro da sala, fruto de suas vivências e preferências músico-sociais. Afinal, cultura, sociedade e música são construídas nos sujeitos desde berço.
                Educação é uma palavra de origem latina, educatio, que remete à ação de criar, nutrir, cultivar. Estas palavras remetem a algo que é construído e reconstruído, ao invés de algo pronto, estanque, unidirecional. Nesse sentido, educar musicalmente deve permitir, por meio da experiência prática e contínua, que as pessoas se apropriem culturalmente da música, seja compondo, apreciando ou executando; que desenvolvam um senso de identidade que lhes permita sentirem-se parte de um grupo que produz e compartilha cultura musical; que signifiquem e (re) signifiquem a música e a si mesmos, com o intuito de participarem da construção social, cultural e musical do seu meio, promovendo, inclusive, sua ampliação e diversificação.
                Falar em Educação Musical é, acima de tudo, pensar na música como ponto de partida e o objetivo final na formação do sujeito. Seja na aula de instrumento, individual ou coletiva, nas aulas de musicalização, ou em outro tipo de atividade musical destinada a ensinar, o foco deve priorizar sempre o fazer musical sob seus múltiplos aspectos: exploração, controle, fluidez (discurso), expressão, transformação, invenção, e o que mais possa contribuir de maneira a ampliar a “biblioteca” musical dos alunos! A construção do universo cultural e musical só será idônea se contemplar, ao máximo, tarefas, culturas e experiências diversificadas e conectadas entre si.
           Portanto, não se deve insistir no benefício primeiro da música como favorecedor de outras aprendizagens, ou para contribuir na socialização e atenção dos alunos envolvidos, por exemplo, pois outras disciplinas escolares também cumprem este papel. Fazendo minhas as palavras de Graça Mota (2000, p. 125):
“A Música constitui um elemento fundamental para desenvolver as capacidades de expressão e comunicação, imaginação criativa e atividade lúdica, favorecendo o sentido de participação e integração da criança; [...] e contribui também para o desenvolvimento de capacidades de atenção, de memória, de coordenação motora, de sensibilidade estética, criatividade e espírito crítico, ao mesmo tempo que proporciona aos alunos experiências que favorecem atitudes e hábitos de relação e cooperação, de responsabilidade e solidariedade (Caldeira Cabral, 1988, p. 15).
Dado que as palavras que anteriormente se transcrevem representam a justificação para a inclusão da Música no currículo da formação geral, é lícito perguntar se o que se preconiza não poderá igualmente ser cumprido por uma qualquer outra área do conhecimento e se, consequentemente, vale a pena tanto esforço por uma disciplina que terá, tão somente, o papel de suporte de outras aprendizagens.
Podemos, assim, identificar dois princípios que têm presidido muitas das decisões de política educacional nesta matéria:
1) A Música na formação geral é encarada como subsidiária de outras aprendizagens; meu comentário: claro, pois se ela cumpre objetivos que outras disciplinas consideradas “intelectuais” cumprem, como Matemática, português, para que a música deve estar na escola, então?
2) A Música na formação geral não se constitui como uma disciplina com seus objetivos próprios inerentes à Arte; meu comentário: mas com objetivos que se aplicam à outras disciplinas, objetivos os quais são obtidos até por atividades extra escolares, que o aluno faz em casa, por exemplo, como ver um filme com os amigos. Sob esta postura, a Música perde sua funcionalidade, primeiro como disciplina, e logo atrás, como Arte!
Mas precisamos entender [...] que estamos diante de uma arte essencialmente abstrata que, embora profundamente ancorada no domínio dos afetos e emoções, faz apelo a uma conceptualização de tipo específico, nomeadamente auditivo, e ao domínio da linguagem básica capaz de traduzir o território sonoro que se mantém sempre infinitamente mais vasto que sua própria representação.
 [...] Nesse sentido, educar musicalmente, quer seja pensando em termos de uma formação geral ou vocacional, terá sempre um e um só objeto: a Música. A Música entendida como arte como todo o código que lhe é inerente e a Música entendida através dos múltiplos idiomas que percorrem a sua própria história. Em suma, a Música nas suas três vertentes fundamentais de composição, audição e performance. Partir daqui para a interdisciplinaridade, procurando um entendimento de todas as questões que se colocam à multi e transdisciplinaridade das artes parece-me, agora sim, um percurso bem mais convincente. [...]" 

           Não estou negando que atividades musicais possam desenvolver e favorecer estes aspectos mencionados acima! O que estou querendo frisar é que não podemos continuar defendendo que "Música é bom para tudo", menos para aprender Música, como se a aprendizagem musical fosse um derivado óbvio que desobriga qualquer afirmação de sua validade!... Nesta esteira, afirmo mais: que se deveria investir em defender os benefícios musicais das atividades musicais para que os professores se interessem cada vez mais por ministrar aulas de música que intentem, de fato, ensinar Música, ao invés de se constituírem meros passatempos ou ludicidades sem contexto pedagógico. 

           Graça Mota é portuguesa. O texto dela reflete tanto a nossa realidade brasileira, vejam! Isto significa que a questão em torno da utilidade, do lugar da Música no meio escolar é algo que extrapola nossas fronteiras! O quão sério é isto, em termo de dimensão do problema! Que trabalho temos à frente, para definir o lugar da Música na escola, de modo que consigamos, como na época do Quadrivium, que a Música não dispute lugar com outra disciplinas, mas que compartilhe com elas as possibilidades de construção integral do ser humano!

Referência:
MOTA, Graça. O ensino da música em Portugal. In: HENTSCHKE, Liane (org.). A educação musical em países de língua neolatina. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000, pp. 123-137.

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