Pessoal! O tema "Competências" sempre me chamou a atenção em Psicologia Cognitiva e, claro, em Educação Musical. Estudo o assunto desde 2007, mas em 2011 tive acesso à obra de Josep Lluís Zaragozà (2009), que trata do assunto especificamente na educação musical (um presente para mim, diga-se de passagem!). Entrei em contato com o autor, que acabou por me enviar vários livros em espanhol sobre Educação Musical reflexiva, e também vários de seus artigos (alguns, publicados pela Revista Eufonía, da Editorial Graó, já esgotados).
Um dos frutos de meus estudos é este texto, que montei para o curso de Didática Reflexiva da Música: aliando PNL e competências na educação musical, que nunca chegou a acontecer...
Espero que, mesmo sintético como o escrevi, lhe seja útil!
Abçs!!
O que são competências?
·
“Capacidade de mobilizar diversos
recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações.” (Perrenoud, 2000, p.
15):
Elas
não são saberes, na verdade, savoir-faire
ou atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais recursos
Essa
mobilização se faz presente em uma situação, sendo cada situação singular,
por mais parecida que seja com outra
O
exercício de competências passa por operações mentais complexas, subentendidas
como esquemas de pensamento, que permitem determinar (mais ou menos consciente
e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação
relativamente adaptada à situação
Competências
são construídas e, portanto, aprendidas!
O que é educar por competências?
·
É lidar com um ambiente instável de
aprendizagem, uma vez que deve-se considerar o pensamento e ação situados, que
são singulares
·
É formar pessoas para que, além dos
saberes adquiridos, saibam utilizá-los de modo integrado e orquestrado em ações
diversas
·
É compreender que cada ação, mesmo
idêntica a outra, requer atitudes personalizadas
·
É formar pessoas cognitivamente
autônomas
O
profissional competente tem “olho nas costas”: apreende o essencial de várias
cenas paralelas (PERRENOUD, 2000, p. 16)
Vocação para ensinar
Vocação --> origina-se do verbo latino vocare,
que significa chamar. Outros significados remetem a predestinação, desígnio, escolha. Portanto, a vocação aproxima-se de dom,
talento, missão. Assume, em certo sentido, um aspecto espiritual.
Portanto:
·
Vocação requer compromisso, dedicação, preocupação com o outro.
· Volta-se para o contato, para as relações, para a educação (formar
seres humanos)
Vocação é necessária, mas não é suficiente --> ela é via para a formação docente e para a competência
didática. Ela não garante o bom profissional.
Competências
para ensinar
Em Educação --> manifestam-se diante de situações complexas, imprevisíveis, mutáveis e
sempre ajustáveis (Boterf,
2003; Perrenoud, 2000, 2001, 2005, apud
DIAS, 2010, p. 74).
Hoje
em dia, quando se fala em formar/educar por competências, consideram-se os
seguintes parâmetros:
Competências afetivas da docência
·
A natureza da música é afetiva e emocional. Mas,
quando se ensina, recai sobre:
Saber escutar e saber fazer música --> mas vínculos afetivos possibilitam criar condições favoráveis ao
desempenho das atividades, mantê-las e finalizá-las de modo a configurarem-se
efetivas.
·
Por outro lado, a afetividade:
Saber interagir a vínculos afetivos estreitam relações humanas (metacompetências).
O que é metacompetência? A metacompetência é
a característica que faz os profissionais tornarem-se essenciais em suas
funções, e insuperáveis naquilo que fazem.
Diferem-se da competência porque trazem a marca
individual da pessoa.
Condições (CHARAUDEAU, apud Castellà y otros, 2007,
p. 61, apud ZARAGOZÀ, 2009, p. 124):
·
Pedir a palavra e expressar-se corretamente (saber
falar)
·
Compreender pontos de vista alheios (saber ouvir)
·
Promover bom ambiente da sala de aula como condição
para o trabalho (saber ser)
·
Respeitar o tempo de aprendizagem do aluno (saber
sentir)
Perfil das competências
docentes
Competência epistemológica: saber o QUE e COMO ensinar
Competência psicopedagógica: saber COMO criar as condições
Competência vicária: saber ENSINAR A APRENDER e TRANSMITIR musicalidade
Competência heurística: saber FAZER/PRODUZIR na ação
Ensino musical por meio do desenvolvimento de competências musicais
Ensinar música baseando-se em competências projeta o ensino para além da
“passagem de conteúdos” aos alunos:
·
O caminho para isso é variar, o máximo possível, a
abordagem de um conteúdo (repetir sem repetir)
·
Ensinar o aluno a lidar com possibilidades (ensinar
a ser flexível)
·
Aulas de música não podem ser um desfile de
atividades, um city tour pela música;
devem trabalhar com a interconexão de saberes, o diálogo verbal durante e após
as atividades (reflexão na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação)
·
Aulas de música baseadas apenas em atividades com
parâmetros do som (timbre, intensidade, altura e duração) não desenvolvem
competências!
·
Composição, apreciação e performance são janelas
pelas quais competências são evidenciadas e construídas
·
Integrar os elementos da linguagem musical ao
máximo, evitando o pensamento cartesiano
·
Aprende-se melhor aquilo sobre o qual se discute,
se reflete
·
Ler e escrever música não deve ser encarado como
sinônimo de saber e aprender música
·
Partir do intuitivo ao analítico, e não o contrário
·
Práticas precisam ser interconectadas
·
Trata a musicalidade como algo inato
·
Música para todos e com todos!!
·
Competência afetiva é a ignição do aprendizado!
Definição de um corpo
de competências musicais a serem desenvolvidas no âmbito escolar
As competências musicais definidas em Zaragozà (2009, tradução minha)
são:
1) Competência perceptiva: Revela-se pela capacidade de ser consciente e experimentar, por
vontade própria, ou como resposta a um dado contexto de escuta, diferentes
níveis de percepção musical, desde o puramente sensorial (música de fundo),
passando pela escuta emocional (evocação de imagens, pensamentos, sentimentos
ou audição sinestésica que a música pode suscitar) e a escuta analítica
(compreensão do discurso musical). Um bom ouvinte sabe que sua habilidade,
quando exercitada, lhe exige uma atitude ativa diante da música e um
conhecimento dos diversos contextos nos quais pode-se dar a percepção musical.
Portanto, o autoconhecimento das prestações cognitivas próprias (metacognição)
lhe permitirá ativar os processos de atenção necessários para extrair a máxima
informação e satisfação do ato de escutar, adaptando-se às circunstâncias do
formato dado.
2)
Competência Criativa: Na
atualidade, existem inúmeros recursos TIC (Tecnologias de Informação e
Comunicação) que permitem exercitar a competência criativa musical sem tem,
necessariamente, amplos conhecimentos musicais. Essas tecnologias facilitam o
acesso à criatividade musical e à interdisciplinaridade artística, de maneira
que as pessoas mais sensíveis e ansiosas podem dar vazão às suas necessidades
expressivo-criativas. Esta competência também se demonstra através do uso de
instrumentos tradicionais e materiais diversos para criar música como um fim em
si mesma ou como parte de um projeto artístico interdisciplinar.
3)
Competência expressiva/interpretativa: Uma pessoa competente na expressão musical será aquela que saiba cantar,
seja fazendo parte de um grupo coral, instrumental, misto ou cantando sozinho.
Também é expressivamente competente se sabe dançar e sincronizar o movimento
com outros intérpretes e sabe utilizar um instrumento musical para interpretar
melodias ou acompanhamentos com domínio técnico aceitável, seja lendo partituras
musicais em formato convencional ou não convencional ou interpretando de
ouvido.
4)
Competência musicológica: É a
capacidade de conceituar a terminologia musical, identificando, compreendendo,
relacionando e transferindo todos aqueles conhecimentos declarativos que
constituem os materiais de que utiliza o discurso musical. Deste modo, estes
conhecimentos se tornam instrumentos para enriquecer os processos expressivos e
perceptivos que se dão no ato de interpretar, criar e escutar música. O que
podemos fazer com a música além de escutá-la, interpretá-la ou criá-la? Podemos falar dela, do que nos sugere ou
emociona, de seu significado, de seu estilo, de sua estrutura, de tudo aquilo a
respeito da música que as palavras podem expressar. Neste caso, as palavras
denotam os conhecimentos que possuímos para alcançar níveis mais elevados de
compreensão musical.
5)
Competência instrumental (axiológica e cognitiva): Por um lado, é a capacidade de aplicar e outorgar valores e atitudes
que favoreçam contextos sociais positivos através da música. Por outro, é a
capacidade de tomar consciência das possibilidades de transferência que
desenvolve a escuta e a prática musical no tocante às habilidades do pensamento
global e sequencial e outras habilidades cognitivas descritas anteriormente.
Porém, enxergo um conjunto de especificidades nas Competências
Perceptiva, Criativa e Expressiva/Interpretativa que gostaria de assinalá-las:
1)
Competência Perceptiva: trata de
todo tipo de percepção necessária à compreensão do discurso musical. Ela é
requerida no desenvolvimento de outras competências, especialmente a Criativa, a
Expressiva/Interpretativa e a Musicológica. Como ela pode se apresentar:
ü Ligada à formação/dedução de padrões musicais (rítmicos, melódicos,
harmônicos, estruturais, timbrísticos, estilísticos, expressivos)
ü Tais padrões apresentam-se por repetição, semelhança, contraste,
variação, regularidade, irregularidade, por exemplo
ü Como competência, não se reduz à identificação de alturas, timbres,
durações e intensidades, mas COMO esses elementos se apresentam na música sob a
forma de padrões (descritos acima)
ü Inicialmente de modo intuitivo, oferece as bases para a Competência
Criativa, o que explica o fato de uma pessoa que nunca estudou música poder
inventá-la
2)
Competência Criativa: trata não
somente da criação, em si, mas de todo componente envolvido no ato criativo,
desde a seleção dos materiais musicais, o processo de elaboração e construção
de ideias musicais com eles, ou seja, o seu tratamento, até o produto final, a
performance. Como ela pode se apresentar:
ü A percepção intuitiva, inicialmente, dos elementos com os quais se faz
música (descritos na competência perceptiva) possibilita que qualquer pessoa
crie música. Dê dois sons a uma pessoa e veja o que ela é capaz de criar com
eles!
ü A internalização dos elementos musicais possibilita fazer escolhas
conscientes de materiais musicais e maneiras de criar padrões com eles
ü O tratamento do material musical escolhido tende, com a prática
sistematicamente orientada, a se tornar consciente a ponto de a pessoa poder
controlar variações mínimas de expressão, desenvolvendo a interpretação musical
ü A internalização dos padrões musicais permite alcançar níveis cada vez
mais elaborados e refinados de criação, que possibilitam à pessoa desenvolver
um estilo criativo próprio e a capacidade de contextualizar sua criação num
âmbito musicológico (significados, estilos, história, conceitos, por exemplo)
ü Revela-se na capacidade de jogar imaginativamente com as possibilidades
musicais (mobilizar a competência perceptiva e expressiva), tanto para criar
música quanto para expressá-la/ interpretá-la
3)
Competência Expressiva/Interpretativa: trata da expressão e da interpretação partindo do puramente intuitivo até
a capacidade de relacionar as escolhas expressivas/interpretativas com estilo,
significado, harmonia, estrutura, história, por exemplo. Como ela pode se
apresentar:
ü Ligada aos elementos apontados na Competência Perceptiva, primeiramente
revela-se na capacidade de a pessoa utilizar os gestos físicos de modo
assistemático para articular esses elementos e expressar musicalidade
ü Processualmente, requer mobilização dos saberes envolvendo os elementos
perceptivos de modo a gerar expressividade consciente (controle)
ü Revela-se na noção de estilo, caráter, andamento, por exemplo, ao
interpretar música própria ou de outrem
ü Revela-se na consciência da relação entre gesto motor e sonoridade, que é
a responsável pela expressividade e, consequentemente, pela interpretação
Dinamização de
conteúdos, objetivos e competências no currículo
De acordo com Zaragozà (2009), um planejamento da programação curricular
por competências pode ser entendido por 2 eixos:
1) Eixo organizador baseado nas competências, das quais se derivam as
propostas de aprendizagem dos conteúdos curriculares. É típica das propostas
baseadas em projetos interdisciplinares. As competências, nesse caso,
determinam a configuração dos conteúdos a serem trabalhados.